Festa no apê

A festa começa por volta das duas e eu, sem saber se aquilo é pesadelo que eu posso encerrar ou que terei de enfrentar, acordo. É real e ali, bem embaixo de onde repousa o meu corpo.

Entro no embalo: pulo da cama e, sem que ainda compreenda, estou prestes a testificar o quanto a paz depende mais dos outros do que de mim mesmo.

A paz interior é fundamental, claro. Ela alivia a pressão da alma e nos faz relaxar. Eu posso buscá-la de várias formas: orando, meditando, me agarrando a bons exemplos, pensando em minha família, recordando coisas boas, sonhando alto… Mas ela não vem sozinha, blindada de ataques.

A paz que reina no entorno, que quando foge do nosso controle é estopim de uma guerra imprevisível, vem da esperança, da crença, do pensar lá na frente. Quando estabelece-se uma pausa no que está errado e passa-se a focar na promessa de dias melhores. No que é dito e nas atitudes tomadas que demonstraram respeito e atenção ao direito dos outros. Essa paz dura o tempo da nossa contradição.

A paz do descanso é luz apagada, barulho de noite, cheiro de lençóis limpos. Mas a hora de ir para a cama pode ser um tormento ressuscitando antigos fantasmas presos no fundo de nossa consciência. É noite em claro, lençóis molhados, barulho de um grito inaudível. Você quer colocar tudo para fora, mas não sai. O sofrimento, o trauma e a dor estão presos em você.

A paz é o segundo seguinte ao que se pega no sono e o também o pós-morte. É o desejo de que amanhã seja tão bom ou quem sabe até melhor do que hoje; ou ainda a oportunidade de recomeçar. É o paraíso prometido. É esquecer de tudo e dormir; por ora, por agora, para sempre, estar completo e realizado.

Mas tem um caminho até lá…

A festa que não está em minha cabeça e que desafia no desafino me chacoalhando aos gritos, abre espaço sem pedir licença. Que bela forma de entrar na casa dos outros… Atravessando paredes em ondas de petulância, cheirando a embriaguez e cutucando minha pele em estacas graves capazes de reverberar pequenos terremotos. No chão, no fundo do meu peito, em cada centímetro do meu corpo.

– Devolvam minha paz – negocio.

Mas a festa dos outros é deboche, que é guerra. E àquela altura, a paz – a de dentro e a de fora – é apenas lembrança. A gente está fora de si, partindo de baixo para dentro de mim.

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