A mãe observa o filho inquieto sacudindo as mãos e resmungando palavras desconexas como se pudesse se comunicar com elas, as pombas, que naturalmente não dão a mínima. Ele chuta o ar uma, duas, várias vezes até que cruza os braços frustrado. Fecha a cara, articula um bico imenso nos lábios e esboça uma reação, que no meu entendimento, pode ser o começo de um choro insuportavelmente mimado.
Mas não: volta a estender os braços, pega impulso e corre o mais rápido que pode de um lado para o outro vociferando alto para expulsá-las dali. As pombas, assustadas, até ameaçam levantar voo, mas são novamente atraídas pela costumeira rotina de se entupirem com as migalhas oferecidas por outras crianças.
O menino então parte para cima delas sacudindo os braços; e de novo correndo até suas pernas doerem; e chutando o ar até quase desequilibrar; e fazendo barulhos estranhíssimos atraindo, como não poderia deixar de ser, a atenção de quem passa por ali.
A atitude – inquieta, inconformada e um pouco agressiva – é reprovada pelo olhar insistente de uma garotinha, talvez da mesma idade que ele que simplesmente não entende aquela agitação. Resolve fazer algo a respeito, não por ele, mas pelas pobres pombinhas.
Primeiro, ela manda ele parar, sem sucesso; depois ela grita que é melhor ele parar senão… sem sucesso mais uma vez. Perde um pouco mais a paciência depois que oferece o pacote com resto de pães, que ele ignora sutilmente com o olhar. Sem. Sucesso. SEM SUCESSO. Bufa.
Tenta se colocar na frente dele, impedir que corra, segurar um dos braços. “Você vai machucá-las”, negocia. Sem sucesso, sem sucesso e sem sucesso. Mas não desiste antes de apelar para o último dos recursos, o tudo ou nada, um puxão na camisa do pai, outro, até que ele enfim desvia os olhos do celular.
– Por que ele tá fazendo isso?! Faz ele parar, papai! Eu tentei, mas ele não me ouve. Pede para ele deixar as pombas em paz!
– Deixa ele brincar, minha filha – responde voltando a atenção para o aparelho que acaba de apitar.
– Aquilo não é brincadeira….
– Faz assim, meu amor, não liga pra ele – diz vagamente – Vai ver que ele não gosta muito de passarinhos. Vai brincar daquele ali, olha só. Deixa ele pra lá.
– Ele não gosta? Não gosta delas? O que elas fizeram pra ele? Deve ser maluco, não é papai?!
– É, deve ser…
Sim, “maluco”. A filha parece satisfeita com a explicação.
Já a mãe do garotinho, que observava tudo quieta, não vai tirar satisfação pelo que o homem acabou de falar em alto e bom som sobre o seu filho. Faz melhor: aproxima do menino e, com todo o carinho do mundo, pergunta:
– Por que você está fazendo isso, meu anjo?
A cara emburrada, os pequenos ombros encolhidos e com as duas mãozinhas na cabeça justifica:
– Para que elas voem, mamãe. Quero vê-las voar!
Mãe e filho começam então, num tratado delicioso sobre a maluquice, a batalhar pelo voo das pombas. Azar de quem não os compreendia.
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