A calçada é fria. As vezes esquenta, mas só depois de muito tempo que a gente tá lá. A calçada também é dura, torta, no início ruim de deitar, mas não nos resta muita coisa. Quando se é vencido pelo cansaço, não tem buraco que incomode. Com barulho também se acostuma. Chega uma hora que você desliga e as buzinas, gritos e sirenes não despertam mais o mesmo interesse. Você simplesmente para de se importar.
Não sei quantos nós somos, mas é muita, mas muita gente mesmo. Eu acho que se juntar todo mundo, dá mais gente do que o povo lá da minha terra. E o pior é que todo dia aparece mais um. Algumas histórias diferentes e outras parecidas com a minha. Eu te garanto: não somos todos drogados, vagabundos, loucos. Tem gente diferente e com um monte de motivos para estar ali, mas eu não conheço uma pessoa sequer que se orgulhe de estar na rua, mas com o tempo você perde a vergonha disso também.
Eles te olham diferente. Medo, nojo, ódio… Não sei o que é mais forte. “Por que ele vive na rua?”; “Poderia trabalhar!”; “Por que não vai pro abrigo?”; “Por que não volta de onde veio?”; “Por que não sai da minha frente? Da minha rua?”; “Some daqui…”.
Eu entendo todas essas dúvidas e também gostaria de saber muitas coisas. Não foi uma ou duas vezes que me perguntei o porquê de ser justo comigo, com a minha família, com os meus amigos, com todas essas pessoas. Tenho algumas ideias, divido opiniões, mas nada que sustente uma resposta precisa. Mas sei de algumas coisas: sei que vivo aqui, na rua, e não consigo mudar isso… E não é simples como pode parecer. Sei que abrigo só é bom para quem nunca passou perto de um. Sei que voltar pra minha terra, mesmo com toda aquela seca que conheço bem, não será uma decisão fácil e muito menos barata para quem suplica por um trocado pra comer.
Não vou dizer que não tenho saudade de onde eu vim. Sinto, é claro, e das coisas mais banais e que provavelmente você nem se dá conta. Mas bobagem ficar sonhando com isso. Pelo menos aqui, na rua, a fome é uma possibilidade e não uma certeza. Eu como o que aparece, acho ou me oferecem. As vezes com fartura, mas em outras obrigando a revirar lixos, o seu lixo. Parece nojento, mas você vence isso também. É uma questão de fome, sobrevivência. Queria dizer que nunca mais vou passar por isso, mas não é tão simples assim.
A calçada é fria. Ninguém entende como, mas mesmo com todo o sol, barulho e sujeira, continuo nela. Sim, continuo… Uma pedra no meio do seu caminho.
“Por que não juntam todo mundo e mandam para bem longe?”. Todo mundo. Juntos, quantos seríamos e como viveríamos? Não acho, de verdade, que morreríamos tão facilmente como vocês acreditam. Alguma coisa aconteceria e isso me faz pensar…