Ele sentiu que finalmente podia deixar o luto. Mas como, depois de tantos anos? Em casa é que não seria. Decidido, abriu o roupeiro e escolheu a melhor peça.
O cheiro de naftalina do terno cinza que considerou apropriado logo deveria se atenuar. Na dúvida, duas borrifadas da água de colônia amadeirada nos pulsos, tão logo esfregadas no pescoço. Calçar as meias, os sapatos; abotoar o colarinho da camisa branca, dar o nó na gravata; ajeitar o bigode e os poucos fios do cabelo com gel. Ah sim! Não podia se esquecer do lenço… Fazia muito calor nos últimos dias.
Pronto! Ele estava pronto, mas para quê exatamente? Para tudo, talvez. Conferiu no espelho e concluiu que com a mão no bolso parecia de novo aquele que fora antigamente. Estava pronto para ser ele de novo. Talvez naquele recomeço vivesse uma grande aventura. Quem sabe trombasse na esquina com o amor? Parecia improvável, mas ele foi. Não esperando, mas começando a acreditar que sim, seria possível.
Mão direita no bolso, terno, bigode e cabelo alinhados. Tronco ereto, cabeça erguida. Agora era só esperar que ele, o sentimento, atravessasse a faixa de pedestres e viesse ao seu encontro. Quanto tempo demoraria? Quantos minutos ainda ficaria naquela incômoda posição? Bem mais do que o esperado.
Ele se esqueceu naquele dia que o amor, do jeito que as pessoas idealizam, não se acha, procura ou mesmo encontra. O amor, caprichoso como só ele é, acontece e quando menos se espera.