A Cólera

Cólera que me consome
Tecido puído, neurônios suicidas
Do amargo gosto
Que tem o ferro oxidado

Cólera que me provoca
Enjoo de mar agitado
Vômito de palavras desconexas
E a tontura de um nocaute

Cólera que me mata
A punhaladas sem moral
E levado a um extremo
Que me congela e ferve sem leveza

Cólera que ressuscita
O primata adormecido
Da gênese, um novo fôlego
De sobrevivência pela catarse

Cólera que outro dia
Eu sentia por você
Foi depois de respirar
Que vi que sequer era merecida

Eleva-se a temperatura rapidamente até que não reste outro jeito: ou explode ou descompressa. Talvez fosse melhor cozinhar tudo em banho-maria, lenta e pacientemente, mas o mundo pede urgência e a gente não se permite um segundo sequer de introspecção e passividade

Uma sociedade acostumada a querer tudo para ontem, a ser protagonista, com seus gritos, mandos e desmandos, explode em discussões, conflitos e embates que mais parecem pequenas guerras cotidianas. Homens-bomba prestes a detonar a harmonia estabelecida ou a tirar fantasmas da sombra. Descompressão ou descontrole?  A troco de quê?

Entendo que não se consiga segurar e que não veja outra forma de dar vazão a tudo que está aí dentro. Isso explica as reações primárias, as críticas desmedidas, o palavrão e insulto barato e o dedo apontado para falhas e defeitos. Mas os problemas não são só seus.  Erguer um mundo perfeito e fazê-lo perene exige um divindade que, com reforço de mensagem, graças a deus (qualquer um deles), não nos compete.

Descontrole reverbera e cria ecos, provoca caos, tumulto e pessoas cada vez mais esquizofrênicas, paranoicas e sem uma noção exata do seu tamanho no mundo.

 

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