Abaixo o Rancor

Ando pensando em mágoas guardadas, tristezas incubadas, feridas não saradas, sequelas cultivadas. Em como o “deixar pra lá” escolhendo não encarar de frente problemas cotidianos podem fomentar indivíduos enclausurados em dores.

Foi com o exemplo de minha avó que entendi que não existe pedra grande o suficiente para sufocar traumas vividos e, principalmente, não resolvidos. Por trás de sua fachada dura, as vezes impenetrável, ela ainda esconde uma menina abandonada pela mãe, criada pela avó e cuja herança foi ignorada em detrimento dos irmãos. A força, o virar-se sozinha e não precisar dos outros era consequência esperada, ainda aplicada com maestria até os dias de hoje. A maioria não entende, mas o passado ainda está ali, por mais que seja negado, disfarçado ou ignorado.

Antes tivesse chorado, sofrido, gritado, insultado, brigado, se explicado até não restar mais nada a ser externalizado. Que houvesse verdadeiramente desculpado e perdoado. Esvaziar-se do veneno, da cólera para só depois tornar-se a encher, voltar a confiar. Evitaria assim, quem sabe, contaminar todo o resto. Antigas rusgas sedimentando frustrações e construindo comportamentos. Aprendizados construídos em certezas não ditas, em meias verdades. Uma vida diferente da que poderia ser.

A transparência é uma virtude e um sinal de zelo com os outros e com nós mesmos. Dizer o que pensa pode até ser doloroso para quem tomou a iniciativa ou para quem terá de escutá-la, mas sempre será melhor do que tentar adivinhar impressões e cultivar rancores.

Seja direto; não disfarce o que se passa com você. Não tente ver por outro lado diminuindo o que aconteceu ou poetizando grosserias e mal-entendidos. Enxergue com o que de pior passou por sua cabeça e seja corajoso para colocar tudo para fora. Turbulências chacoalham, assustam, mas dificilmente derrubam aviões.

 

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