A Boneca-anjo de Pardin

Conto livremente inspirado na notícia “Boneca inflável ‘cai do céu’ e pescadores acreditam ser anjo, na Indonésia” publicado no dia 01/05 pelo site do Jornal Extra.

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Pardin olhou para o céu e agradeceu por mais um dia, crente de que em tudo devia dar graças. Já estava ali em mar aberto há algum tempo e se preparava para jogar a rede mais uma vez torcendo para que desta vez Alá não o decepcionasse. O que estava acontecendo nas águas de Banggai? Seria alguma punição? Talvez estivessem pagando pelos atos de Bethari, considerou já certo de que aquela era sim uma explicação plausível para a escassez de peixes em um oceano tão farto.

Bethari havia fugido há mais de três meses e as notícias que chegavam não eram nada fáceis de entender. Depois de um tempo em Jacarta havia mudado de vez para Bangkok onde dizia ter encontrado sua verdadeira vocação. Foi Bulan, seu melhor amigo, que a viu lá, cheia de energia para dar e vender. “Li-te-ral-men-te”, frisou. Bethari, por quem Bulan fora perdidamente apaixonado até levar um belo pé na bunda, tornara-se a atração principal de um show estranho chamado “pingue-pongue”, algo que colocava na mesma ação a bolinha do jogo e a parte íntima. Pardin desistiu de tentar conceber a cena que Bulan queria dizer, mas sabia que era algo realmente estranho e, sem dúvida, um grande haraam.

Sentou-se e forçando os músculos das pernas contra a lateral do barco, começou a puxar com força a rede. As primeiras cordas começaram a vir com peixes pequenos, difíceis de serem vendidos. De novo aquilo! Pardin fechou os olhos e mais uma vez clamou aos céus.

Foi quando tudo aconteceu…

Primeiro um barulho, splash, não muito longe. O impacto no mar foi muito diferente de um salto de um cardume. Bem ali, ao alcance de seus olhos, Pardin viu atônito algo de repente emergir e flutuar na água. “Por Alá… O que é… Parece uma…  Mulher”.

Ele deixou de lado a rede, remou até bem próximo e notou, para sua agora total perplexidade, que não se tratava de fato de uma mulher (porque era feita de um alguma coisa parecida com plástico), mas que era bem parecida, isso era. Um pouco mais clara do que as de Celebes, sabe? Olhos verdes, lábios levemente rosados, sobrancelhas fininhas. E estava completamente sem roupa!

Que Alá o perdoasse por ter contato com uma mulher nua, mas aquilo deveria significar alguma coisa, ainda mais por ter vindo (do céu!) logo depois dele pedir um sinal. Queria peixes, é verdade, mas decidiu ver o que o pessoal da ilha achava daquilo. A pesca podia esperar.

Os fatos se sucederam com a velocidade de quem vivencia um milagre. Pardin não poupou detalhes e contou das preces, de como achava que Bethari era responsável pela punição que Alá estava lançando sobre eles, do barulho diferente na água e isso, apontou. Concluíram que Pardin era um homem de  sorte, que aquele “anjo” fora enviado como prova de que o olhar do Senhor estava novamente sobre o povoado. Foi o Imã Eko que associou o fato do anjo estar nu ao “desnudar-se” dos pecados mundanos, tema da mensagem trazida pelo Mulá Tamam há pouco mais de quinze dias. Sim, eles entenderam o recado do céu. Aquele anjo, embora todos tivessem ouvido a vida inteira que anjos não têm sexo, deveria ser tratado como uma mulher, para que ninguém ali jamais se esquecesse de Bethari, da punição que receberam e da nova chance concedida.

Pardin voltou ao mar e determinado puxou a rede. A multiplicação dos peixes era a prova que precisava. “Deus é o Maior, Deus é o MaiorAllah Akbar, Allah Akbar, Allah Akbar, Allah Akbar“. De longe todos se preparavam para agradecer a graça alcançada.

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