De longe ninguém duvida: é uma louca. Falando sozinha, gesticulando agressivamente, andando de um lado para o outro sem um destino certo, a mulher pondera, xinga, justifica, questiona, critica, fala sem filtros o que vêm na cabeça. A conversa dura o tempo que for necessário, detalhes esmiuçados tintin por tintin, nada de fora, todos os pontos dos “is” muito bem colocados.
Pode ser dentro do quarto pouco antes de ir dormir ou logo cedo quando acorda. As vezes entre uma mordida e outra no pão com manteiga, muitas vezes dentro do carro, na rua enquanto caminha, no trabalho em frente ao computador. É claro que não passa despercebida. “Mamãe, com quem ela está falando?”. “Ela é louca, não fica olhando não”. “Santo Deus, falando sozinha de novo”. “Que senhora solitária”…
Com lente de aumento ou menos preconceito, pode-se ouvir um pouco do que diz sem deboche. Há quem sinta pena… Outros que se acostumaram e nem notam mais. O fato é que ela vai dizer isso, vai fazer aquilo, de amanhã não passa, você não podia ter feito isso, olha como ela ficou, veja só o estado dela, você a magoou, ela te odeia, ela nunca mais quer falar com você, ver a sua fuça, suma daqui, ela quer fugir, e se ela desaparecesse?
Um pouco mais de atenção, sem ignorar o que está por trás daquela ação, e a louca se mostra uma sábia. Ao travar diálogos intensos consigo mesma, ela descobre uma forma de viver mais leve, de esvaziar-se daquela cólera transbordante que poderia consumir suas relações. Ela trabalha como ninguém seus momentos a sós; vai ao limite e solta sua ira, raiva, amargura até não restar mais nada dentro de si. E tantas vezes na hora do vamos ver, de botar pra quebrar, simplesmente esquece o que ia dizer ou diminui o tom das cobranças ou pega leve nas críticas, sem sarcasmo, ironia, provocação gratuita. Direto ao ponto, pronta para superar. Para relevar. Para esquecer. Para ignorar. Para perdoar. Para sobreviver.
Ela, que de louca, é uma das pessoas mais fáceis de lidar que já conheci. Ela que fecha os pontos e não guarda nenhuma mágoa ou rancor. Ela que não se mete em confusões com facilidade e se entra, desfaz os desentendimentos como ninguém. Ela está sobrevivendo a um mundo de ataques.