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Ela levanta da cama como sempre: irritada. Queria dormir mais! Maldição por não ser rica; porra de emprego que paga mal; droga de cidade caótica que faz tudo parecer ainda mais difícil. Da sua boca sai cada nome que até Deus duvida… E de tanto gritar, perde a voz. Primeiro por um dia, depois durante uma semana; quando dá por si já não fala mais.

Mas com o som rouco que ainda emite mostra que continua zangada. Resmunga inclusive dormindo. Que pesadelo aquela vida. Mais uma noite turbulenta… Acorda estressada. É quando as suas cordas vocais silenciam de vez.

Encontra mais motivo para sua ira. Sem poder falar, ela resolve dar corpo a um novo monstro adormecido. Facebook, Twitter, blog, Instagram… Plataformas perfeitas para dedos ágeis, nervosos, que disparam contra as pobres teclas verdadeiros socos de tão forte que digita.  Droga de vida, se expressa, maldito país, me tira deste planeta! Primeiro são as falanges da mão direita que perdem a articulação, depois a da esquerda. Movimentos tão limitados a impedem de digitar. “ew çjdscIENNKA, wskawqcemq3pw~2032jeXA”, é mais ou menos o que sai de uma de suas tentativas. Desiste daquilo.

De dedos em riste aponta problemas, defeitos, manda à merda,  vai te catar, uma banana… aqui ó. Nunca se viu tão expressiva… O corpo realmente fala por ela. Depois de um dia “daqueles”, uma ginástica e tanto que deixou seus músculos tonificados, acorda sem movimento nas mãos.

Esmurra a mesa, a parede, empurra o vaso com toda força até que ele se espatife em mil pedaços pequenos, cortantes, dilacerantes. Aquilo ali é a sua alma: destruída e sem a menor chance de reconstrução. Aprende a viver entre cacos, mas em um descuido se corta. Vermelho-sangue que mancha o piso e jorra sem parar, tinta nova de uma degradação ainda ruidosa. Um grito que não sai de sua garganta. Nos cortes, veias importantes se rompem. Perde as mãos.

Não para por aí. O ódio é um cicatrizante excepcional. É muita fúria que carrega no peito, um copo que sempre esteve bem vazio, seco, sem nem uma gotinha de água sequer. Só ela enxerga que  tudo é uma bela de uma desgraça? Com seus braços gesticula, esbraveja e, ao seu modo, recria obscenidades para sua lista de insultos prediletos. Faz-se entender!  De tanto se movimentar, não vê o carro passar. Lá se vão seus braços a cento e tantos quilômetros por hora.

Sangue nos olhos, que medem de cima abaixo, que desprezam e reviram a cada idiotice que escuta. Arqueia as sobrancelhas, aperta as pálpebras, fuzila com o olhar colocando aqueles débeis humanos nos seus devidos lugares. A raiva da vida é latente, transparente, visível. É claro como uma luz bem forte, daquelas capazes de cegar. Perde a visão.

Ela ainda consegue bufar com tudo aquilo. Impaciente, irritada, tá que não se aguenta. Solta o ar com toda amargura que lhe consome até que finalmente para de respirar. Enfim seu fim.

 

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