Quem você era há uma decepção? Era feliz, tranquilo e em paz. Era aberto ao novo, ao desconhecido e a surpresas. Era inocente, um pouco bobo e talvez até imaturo. Era iludido, mas aprendeu a lição.
A dor fez com que camadas do seu ego fossem arranhadas, descascadas, dilaceradas; que seu orgulho, ferido, atingido por uma bala perdida, vegetasse por um tempo, muito tempo! Você não imaginava que pudesse existir um buraco tão fundo até perceber-se dentro dele, caindo rumo ao centro da terra direto para o inferno. O inferno astral.
Que tipo de pessoa se perdeu durante a mudança? Quem ficou para trás? E quem emergiu da metamorfose? Que novo ser saiu desse casulo? Com quem estou falando agora? Esse novo eu que se apresenta, que se coloca com mais altivez e força… Impressão minha ou atuação? Ou fortalecimento?
Decepções moldam cada um de nós todos os dias, e isso não para em nossas dores. O que sofremos acaba por reverberar em todas as interações sociais, camada a camada, colaborando para um mundo mais triste, mais sombrio, menos caloroso. As marcas, as muitas cicatrizes, vão delineando o caminho que seguimos e como passamos a nos entregar. O que esperamos dos outros e o quanto eles realmente importam. Solidifica-se a estrutura, concretizamos certezas.
A grande vantagem desse jogo social é que por mais que tenhamos inúmeras decepções, somos constantemente surpreendidos por agradáveis surpresas. O beijo roubado, o abraço apertado, a palavra que consola, a companhia quando menos se espera. O carro que para na faixa de pedestre e dá passagem, um desconhecido que defende alguém que nunca viu na vida, a massa que se organiza para exigir direito a saúde, segurança e educação de qualidade, grupos que se mobilizam para causas justas (embora ainda longe de ter encontrado o tom certo para o confrontamento). A fé na humanidade se restabelece nessas horas e vemos que sim, temos jeito. Podemos quebrar a casca dura e revelar o nosso melhor; a bondade e a compaixão; a esperança e a alegria.
O maior ensinamento de uma decepção é justamente entender que pode ser superada. Quem éramos antes, passa a não ter tanta relevância quando sabemos que as quedas continuarão imprevisíveis e até naturais por mais atenção que tenhamos; quando aprendemos que temos força para levantar e continuar; e que, apesar de tudo, ainda teremos em quem confiar.