A cidade agitada, os ânimos exaltados e a velha correria que não pede licença, aquela de quem desaprendeu a desculpar-se e que está mais do que acostumado (viciado!) a subir o tom da voz. Primeiro o menino que corre, que assusta a senhora em seu passeio, que alerta o dono da banca de revistas, que chama a atenção do porteiro, que apavora a garota que se equilibra na bicicleta, que paralisa o garçom do bar…
Não dá para saber de onde vem o primeiro grito, mas ele reverbera e cria ecos, ganha novas vozes, outros portadores de uma histeria coletiva incontrolável que domina a rua, para então ganhar o bairro, a região, toda a cidade. Eles gritam uns com os outros sem entender muito bem o porquê. Não dá para controlar o ímpeto de se juntar ao coro, de propagar o caos em novos elementos: o grito agora sai mudo em Caps Lock, bold, fonte 72; sai agressivo em buzinas pressionadas sem dó nem piedade. Faz escola, cria discípulos e vira hábito.
O grito se torna a expressão do vazio não de uma ou duas pessoas, mas de uma sociedade inteira. Ele carrega consigo uma força estridente e incômoda, mas que no fundo é apenas barulho sem conteúdo a ser decodificado. É volume sem melodia, desarranjo que evidencia o mais puro descontrole. A balbúrdia de quem ouve, mas não escuta, aquela de quem berra sem conseguir dizer a que veio. Continuamos gritando, mas dá para parar.
Perfeito! Amei.