Sempre que algo de muito terrível acontece – como foi a chacina em Campinas (pontuada por uma carta doentia) ou aquele massacre em um presídio em Manaus ou ainda a covardia que tirou a vida de um senhor que defendeu uma travesti – a gente tem que parar e pensar um pouco além do horror óbvio discutindo como chegamos, enquanto sociedade, a tanto.
Os que justificam o injustificável, aqueles que ponderam sobre o imponderável, os mesmos que repetem que “não fariam”, mas que conseguem achar racionalidade onde existe apenas loucura, falta de amor e desumanidade. Sim, estou juntando no mesmo pacote o assassinato de 12 pessoas de uma mesma família com o dos sessenta detentos do norte do país e com o do ambulante de nobreza tão em falta. Todos têm em comum um caldo de ódio e intolerância que vem sendo curtido, compartilhado e exaltado por muito de nós, criando a sensação de que podemos ultrapassar o limite a qualquer hora e fazer o que der na telha sem maiores consequências.
É exatamente o mesmo ódio e a mesma loucura que levam um ex-marido a matar filho, mulher e familiares, que correm nas veias de pessoas dispostas a lavar com sangue um pátio inteiro e que enchem de adrenalina dois jovens divertindo-se espancando até a morte quem ousa divergir das suas intenções.
É também aquele impulso que nos leva a pensar que podemos incitar o ódio e dizer que “bandido bom é bandido morto” (ainda que dentre os tais mortos, possa haver um julgado injustamente). Que identifica razões e diz que “naquelas condições não responderia por si, quem pode julgar?”. A mesma plateia flagrada por câmeras que assistiu sem reação alguma a morte de um homem de cinquenta e quatro anos que ousou defender uma travesti que também é moradora de rua… “Jura que ele perdeu a vida por tão pouco?”.
É exatamente ali, nos comentários, que temos revelado o que somos de fato. Eles mostram seres doentios, loucos e à beira de um ataque. Falta só a oportunidade para tudo desandar.