Estamos um caco e já não dá para saber se é o corpo, se é o espírito ou se são as ruas que padecem sem liga, desconstruídos após a esbórnia do que já foi.
Era festa e virou caos. O lixo é um produto interessante, parte de algo relevante, mas que não importa mais. Hoje estamos todos um lixo, acabados e destruídos. É ressaca que invade os músculos, embrulha o estômago, pesa a consciência. É a moral roubada na esquina.
A cidade amanhece com o cheiro de tudo que precisa ser esquecido. Vidros que foram garrafas, que trouxeram a alegria e agora cortam pneus, calçados e peles desatentas. A civilidade de cidades lindas, maravilhosas, povoadas por cidadãos de segunda classe vivendo o ontem, esquecendo do amanhã. Dá-lhe mais lixo, dane-se o dia que virá.
A festa é muvuca e é furto e é roubo. Alguém viu o celular? A carteira? A dignidade? Mas mesmo com isso, também é um tempo valioso que damos em nossas convicções pelo prazer de voltar a viver sem lados e divisões; sem a obrigação de esmiuçar e interpretar tudo como um ataque direto a nossa índole. Ela nos dá a liberdade de dançar, de abraçar e de beijar muito na boca de alguém que vai saber se concorda com a gente politicamente.
É nessa festa que é caco e que nos deixa um lixo, que o povo se junta e novamente volta a ser feliz de verdade. São milhões de fantasias que comprovam, apesar de tudo, que ainda continuamos legais à beça. Precisávamos tanto lavar a alma, tirar o vulto sisudo das carapuças que nos imputaram… Veio em boa hora. Que seja muito pão e abundante circo… Que seja só celebração e reencontro com uma identidade esquecida. Lembra disto? Não desistimos nunca, somos festeiros e adoramos as diferenças. Só por isso e ainda que em tão curto tempo, viva Carnaval!