Tempos às avessas este em que para defender estranhos, nos afastamos de conhecidos. O político toma o lugar do amigo da infância. Uma eleição destrói o Natal em família. O muro entre vizinhos sobe a uma altura intransponível. Lados que não se veem mais.
Reparem como são as coisas. Vocês já foram amigos, próximos, unidos, unha e carne, sangue do mesmo sangue, feitos um para o outro. Aí veio ele, ela, uma ideia, um crime ou um golpe, outro ele, e mais um monte de motivos que te fizeram fisgar a isca e gostar da briga.
Como você discute bem. Impossível negar a forma como transborda paixão (e como isso irrita). Só que aquele amor que sentia e transmitia, ah, ele ficou no caminho e virou, assim meio que entre ontem e hoje, uma decepção, várias delas, até que moldassem uma figura a ser banida, superada, esquecida.
É estranho pensar nisso. Eu me tornei um estranho em seu mundo. E ando estranhando que de tanto xingar e xingar e xingar, eu não reconheça mais quem você já foi um dia. Um nó em nós mesmos de dar dó. Estamos a sós e sem arrependimento.
Mas quem sabe agora que não nos entendemos mais, você perceba que comprou a briga de terceiros sacrificando uma intimidade que era real. Talvez decida olhar para o lado novamente. Pode até ser que tome coragem de pular o muro para ver que o quintal ainda é o mesmo em dimensão e possibilidades. Nele continua cabendo festas, risadas e outros assuntos que não são esse ou aquele, e que mesmo assim são tantos!
Fará então sentido o tempo às avessas em que para defender estranhos, nos afastamos de conhecidos. Defenderemos as nossas estranhezas. Entenderá, por fim, que é melhor lutar por quem sempre esteve aí, ali, aqui, afastando-se de vez de quem um dia ousou se colocar como ponto final de uma história. Mostraremos a ele, a ela, a qualquer um, que somos afeitos às reticências…