E eles, quem são?

Você vê ali uma massa uniforme e suja, fedida e mal vestida, que atrapalha o seu caminho ocupando vias, poluindo o cotidiano e degradando os espaços públicos.  Você vê ali pessoas que não deveriam existir ou que pelo menos deveriam sumir de onde você passa, que são uma vergonha, seres trazidos do esgoto por bueiros e ralos sociais.

Praças viram casas, calçadas tornam-se camas, o meio-fio a sala de estar de “vagabundos”, “desocupados”, “bandidos”, mas não importa a que custo levam aquele tipo de vida; se aquilo foi uma escolha ou se não tiveram outra escolha. Deveriam trabalhar, você repete, mas responda sinceramente se você seria capaz de empregá-los? Sem demagogia ou hipocrisia… Para você eles são seres-humanos-baratas, repugnantes; lixos de corpo e alma não-recicláveis, descartáveis… Deveriam dar um jeito para acabar com isso de uma vez por todas!

Mas ali do lado de fora, a massa se revela em dezenas, centenas, milhares de histórias de fracasso; que poderiam, mas não deram certo; que falharam em algum momento da vida e agora sentem na pele, ao deus-dará, o que significa descaso. Além da visão simplista do incômodo que possam provocar em nós, povoam histórias de vida que precisam ser  ouvidas, compreendidas e respeitadas. O “ir além” do nojo, do medo e da gastura que provocam. O “ir atrás” de  trajetórias parecidas com a nossa não fosse por um deslize qualquer – a depressão, as drogas, o abandono, a loucura ou a violência sofrida.

Quando preferimos não saber, mostramos que nem de longe somos tão limpinhos, bem vestidos ou apresentáveis como julgamos ser. E quando se humaniza quem está ali a poucos metros jogado na sarjeta, quando paramos para pensar que poderia ser com um daqueles que tanto amamos e consideramos, quando ponderamos que por um infortúnio poderia ser eu e você, desconhecidos viram pais, mães, filhos de alguém…

Mundo mendigo que é um só: separado por paredes que colocam lá fora os defeitos que tem nos apodrecido por dentro. E essas mesmas paredes mostram-se frágeis demais para blindar um sentimento real de pertencimento. O mundo mendigo tem cara, nome, sobrenome, passado, dores, traumas e, em algum lugar, sonhos adormecidos em asfalto frio.

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