Purgatório da Beleza e do Caos

Ah, Rio de Janeiro, se fôssemos tirar uma grande fotografia sua nos últimos anos, chegaríamos perto do Inferno de Dante. Camada a camada, problemas se acumulam trazendo dor e sofrimento para uma população já castigada, que não teve que esperar o apocalipse para pagar por seus pecados.

É sobre calamidade e não apenas aquela que impossibilita o Estado de pagar as contas, de seguir em frente e honrar o combinado. Sejamos mais pontuais na abordagem de uma situação que culmina na perda de vidas, cujo valor vai muito além da porcentagem registrada em boletins de ocorrências, mas em perdas impossíveis de calcular.

É o tráfico de drogas que segue acobertado pela segurança pública, acovardada ou devidamente paga para fingir que não sabe de nada. Fuzis nas ruas em assaltos à luz do dia. Os casos de estupro, de assassinato, as vinganças, represálias, sirenes ligadas rumo à mais uma operação especial, que não dá em nada. Conta-gotas em um mar de imundice! A calamidade de sair de casa e não ter a certeza de que voltará, do salve-se quem puder.

Nada é por acaso. O Rio de dois ex-governadores presos acusados de desvios de dinheiro e de conduta. A ética que passou longe num jeitinho malandro de privilegiar a conta bancária; a farra num luxo desmedido e cafona, enquanto milhares de vidas se perdem de uma forma cruelmente estarrecedora.

É crise na saúde, crise por incompetência na gestão das contas públicas. Os números não fecham e não há mágica ou milagre que dê conta de poupar uma população, em especial aquela mais carente, que sofre toda a falta de sorte e morre desatendida aguardando em filas e corredores. No Rio, gente… No Rio!

Escolas fechadas, falta de merenda nos recreios, número incipiente de vagas oferecidas, a péssima condição de ensino, o despreparo de professores em lidar com alunos cada vez mais arredios e violentos, desinteressados com a conexão que existe entre aquele momento que vivem e o que serão num futuro próximo.

Esbarra na cultura: teatros e um carnaval tipo exportação, fontes de renda indiscutíveis e cujo valor e impacto sociocultural é imensurável, ameaçam não abrir as portas, não sair na avenida. A cultura escorre por ralos e esgotos não tratados rumo a um oceano contaminado por ódio, extremismo e intolerância, e cria uma sociedade doente, perdida em si mesma com toda a sua limitação e egoísmo. O dar certo a qualquer custo, trucidando quem passar pela frente. O preço de não pensar no outro, em ignorar as provas de que estão no caminho errado, de que a sujeirada do entorno já apodrece a própria carne. Dói em vocês, cariocas e fluminenses, reverbera em todos nós brasileiros que aprendemos a amar a cidade.

Ah, calamidade, de mostrar-se como é, de encarar de frente um obscuro lado real. Não tem mais maquiagem que dê conta de disfarçar os defeitos, de atenuar os sucessivos traumas sofridos e que estão escancarados para quem quiser ver. Que essa cidade maravilhosa, que um estado tão importante, pode ser tão negligente com seus moradores.

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