Trabalho de campo

Gilmar acordou há três minutos do relógio despertar desejando um dia cessar com as próprias mãos o cacarejar altivo e incessante do galo. Mais do que desejo, sabia que mais cedo ou mais tarde chegaria o dia em que, se quisesse, poderia arrancar suas vísceras e enfim saboreá-lo, pedaço por pedaço. Era o seu trunfo.
Pensou em tudo, quis não lembrar de nada. Em vão. Era forte demais saber que o próprio pai o havia condenado àquele exílio. Como se fosse possível mudar alguma coisa… Como se a simples estupidez machista e o trabalho árduo no campo fossem capazes de transformá-lo.
Tentava entender a linha de raciocínio do seu pai, mas na prática sentia-se ainda mais preso a sua essência. Tudo ali remetia a sexo e sabia que a qualquer momento poderia explodir com tanto desejo acumulado.
Atravessou o pasto desviando ao máximo das fezes frescas do gado, redobrando a atenção ao seu aproximar do curral, onde uma grande quantidade acumulava a espera do dia em que se tornaria esterco. Nem mesmo depois de todas aquelas semanas havia se acostumado com aquele cheiro.
A primeira vaca de muitas outras abriu espaço para sua mente poluída. A temperatura das tetas que preenchiam suas mãos, o movimento de vai e vem ritmado, o leite branco e quente que saía em jatos…
Gilmar teve o que queria: leite quente e em baldes, todos os dias! Enrijeceu seus músculos, noite e dia, o que fez o pai ter a falsa impressão de que tamanha ignorância havia surtido efeito. Foi um excelente e duro trabalho de campo.
 *O cara que desenha aqui, gustha.com

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