A Primeira Vez de Quem Não Desiste Nunca

Vem lá do bairro afastado a história da menina que nunca foi a um teatro ou a um espetáculo de dança, mas mesmo assim sonha em ser atriz e bailarina. Ela tem a oportunidade de assistir de perto, ali da primeira fileira, a um espetáculo de tirar o fôlego que faz seus olhos brilharem. Depois do aplauso, conhece a coxia, conversa com os artistas e – que sorte! – experimenta o vestido da Cinderela. Que esta noite dure uma eternidade!

Tem também aquele garoto que sonha em ser jogador de futebol, mas que nunca foi a um estádio. Para tudo dá-se um jeito: quando a tevê de casa está em outro canal, ele corre até o bar da esquina e senta na calçada, olhando meio que escondido já que não tem dinheiro para consumir. E quando algum garçom o tira dali, liga o rádio velho da cozinha e solta a imaginação. Todos aqueles dribles perfeitos, as jogadas immmmmmmmpressionantessssssssss, o chute com efeito e o goooooooooooooool passam, com o capricho da imaginação, a ser deeeeeeleeeeee, que é o craaaaaaaaaque da camisa número 10. Tudo é futebol arte: da caixinha de fósforo que vira bola à “caneta” por baixo das pernas da mãe que lava roupa, marcando um golaço no portão enferrujado.

Ele sonha porque sabe que um dia estará lá: sentindo a emoção no vestiário antes da partida, conversando taticamente com os outros colegas e com seu professor no intervalo do jogo, tremendo com o barulho da torcida quando é consagrado campeão e o grande nome do campeonato!

E lá no escurinho da rua de uma cidade sem cinema, cadeiras de plástico acomodam sem conforto uma plateia que sorri de nervosismo ou ansiedade ou pura expectativa. É a primeira vez de todos eles. “Vai começar”;”Xiiiiiiiiiiiiiiiii”; “Olha lá, mãe!” murmuram até serem dominados por um fascínio que embala o mais audível dos silêncios: dá para ouvir lá longe o barulho de grilos e cigarras pontuando as falas, cenas e narrativa, cadenciando a ação. Era como se aquele mundo cheio de arranha-céus e praias bonitas fosse deles também. É como se eles fizessem parte da história, como se aquele retrato “projeção-público-noite estrelada” construísse, por si só, cenas de um campeão de bilheterias ainda a ser lançado.

Eles ainda não sabem que aquele dia marcará de forma muito especial a vida de alguns, pois é encanto que vira inspiração, que vira brincadeira de criança, que vira um primeiro filme sem importância, um segundo sem pé nem cabeça, um terceiro um pouco mais trabalhado (ainda assim ruim), um quarto inconsistente até o dia que, embora não almejem, sejam os responsáveis por fazer cinema de identidade, com DNA interiorano arretado, cheio de rupturas, sotaques e inovações. O fazer mais com menos, a criatividade que vira linguagem tipo exportação. É Brasil em Cannes, no Oscar… Ganhamos nossa primeira estatueta!

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Poderia falar ainda da menina que sonha em ser modelo e que faz da calçada passarela, do outro que sonha ser ouvido em milhares de casas por meio das ondas do rádio, ou dos desenhos que viram histórias de uma comunidade, que se transformam em telas conceituais e ganham os principais museus do mundo. Tudo a partir de um pequeno rabisco outrora questionado, ridicularizado, vejam só. São tantas histórias…

A realidade parece até muito dura e desigual, mas vem sendo projetada em sonhos e conquistada arduamente no dia a dia. São pequenos feitos pessoais, troféus e medalhas que condecoram o esforço de quem acredita no valor que tem, e que persiste e luta e insiste e continua em frente, porque você sabe… Somos todos brasileiros e de uma forma meio mágica não desistimos nunca (apesar de quase tudo jogar contra).

1 comentário em “A Primeira Vez de Quem Não Desiste Nunca

  • Fascinante! Seus textos são de uma qualidade inquestionável. Amo o que você escreve.
    Ah, tinha lido no face, mas acho que esqueci de curtir.

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