Caça ao tesouro

Tutti tem apenas cinco anos e daquele jeito que já transborda uma sabedoria ímpar (ainda que nem desconfie o significado dessa palavra) disse que “guardou” o meu celular.

Isso depois de eu virar a casa de ponta-cabeça, de cogitar ter esquecido em cima de algum balcão de loja, no supermercado ou no banco, de suar frio diante de um possível furto enquanto me desdobrava na função de mãe-animadora-de-criança-pequena-chupando-picolé-no-colo-sem-deixar-de-ser-mulher-responsável-que-precisa-pagar-as-contas-em-dia.

Recapitulei todos os momentos do dia, uma, duas, três… vinte vezes, sempre com a certeza de que entrei com o bendito-celular-que-nem-paguei-ainda em casa, ou não? É tanta coisa para lembrar, que as vezes me pego sem saber se ontem foi ontem mesmo, ou só algumas horas atrás. 

E, ele, o Tutti, como se adivinhasse o momento em que a frustração de ser traída pela memória viraria uma profunda raiva de mim mesma, diz com toda a calma do mundo que “guardou” o meu celular. Nada mais. “Seu filho de uma égua“, penso em voz alta me arrependendo em seguida. Pelo menos parece que ele não ouviu. 

Ainda não descobri onde está, e ele, o Tutti, se diverte com o meu descontrole. Sei que pra ele aquilo virou uma caça ao tesouro em que, só ele, o pirata, sabe do mapa da mina.

Estou desligada, finalmente desconectada, e meu filho feliz. Ele ri, corre de um lado ao outro, se agarra em minhas pernas. Solta um “tá frio” pra cá e outro “tá quente” pra lá, mas sem muita coerência. Quer me confundir! Eu entro no clima porque sei que não tem outro jeito. 

“Por aqui, éguaaaaa!!!”

“Quêêê?”

“Se sô fi de égua, cê é égua então, né mamãe?”

Tenho vontade de rir dele ter lembrado disso e de ter usado assim, meio que sem-querer-querendo, para me deixar sem graça por eu ter sido boca-suja. Tenho vontade de chorar por ter esbravejado com o meu filho, por ser uma péssima mãe naquela e em tantas outras horas, e, principalmente, tenho vontade de chorar de felicidade por estar redescobrindo a brincar e ser feliz com ele sem a interferência de uma tela. Tudo porque ele “guardou” meu celular de mim mesma.

Qualquer dia desses eu volto com o meu WhatsApp.

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