Mimadores de nós mesmos

Compra. Arrepende. Devolve. Compra. Troca.  Fica. Descarta. Tic-Tac-Tic-Tac. Minha cabeça não para com tanto letreiro de promoção imperdível, oportunidade única, agora é a minha vez.  Ontem mesmo eu estava lá, enlouquecido em um shopping center de São Paulo. Veja bem, estou vestindo a carapuça. Quando me assustei passava o cartão como se fosse a própria Becky Bloom personificada em um corpo de homem. Eu vi a luz!

O jogo entre a responsabilidade de quem pensa no futuro prendendo as mãos lá no fundo do bolso contra o prazer pós-moderno INIGUALÁVEL de adquirir coisas, mimos, para suprir as carências que tem. Estou triste, compra. Estou feliz, compra. Tenho um evento importante, compra. Não estou fazendo nada, compra. O tempo mudou, compra. A moda mudou, compra. Meu corpo mudou, compra.  A economia desacelerou, compra. O dólar subiu, compra. Caiu, compra. Estabilizou, compra. Teve atentado lá na Europa, compra. A Dilma vai cair, compra. Está um puta trânsito, compra. Ah sei lá, compra. E arrepende, arrepende, arrepende, arrepende… Porque felicidade, caso não saiba, não está em oferta. Ela é construída/cultivada com as nossas próprias mãos.

Não somos tão conscientes como achamos. Nem tão espertos, inteligentes e independentes. Dentro do modelo de vida consumista é bem interessante pensar que shopping center vira programa de lazer, que datas comemorativas são para turbinar vendas, que precisamos dar petisquinhos a nós mesmos para conseguir suportar essa coisa difícil à beça que é viver. Atrelar a felicidade ao ato de comprar é o equivalente a vender a alma ao capeta, para quem é mais supersticioso. É depositar as esperanças em algo cada vez mais descartável. É inventar para si na maioria das vezes necessidades que não existem para apagar a única coisa que existe de fato: o vazio. É tornar-se fútil ao mesmo tempo em que peça fundamental para o grande jogo estabelecido.

Você não precisa trocar seu carro todo ano. Você não precisa do gadget que ainda não tem uma função muito definida. Vai viver sem aquele celular mais moderno…. Você não é o que você veste. Mas é obvio que você contraria tudo isso por puro prazer. Porque pode obviamente… E qual a graça mesmo se não se alegrar um pouquinho?

Vamos comprar. Vamos devolver. Vamos aprender a viver como produtos: com tempo definido para encantar, fazer barulho e, claro, desaparecer da prateleira. Acostumamos depressa demais a não ter valor.

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