Você é a Notícia

O relógio está programado para despertar às seis, mas você acorda a tempo de desligá-lo antes que toque. Levanta com todo o cuidado que pode para não atrapalhar o sono que embala o restante do quarto.

Pé sob pé pega as suas coisas, encosta a porta, vai ao banheiro, toma o seu banho, se arruma e prepara o café. O pão aquecido que derrete a manteiga, o cheiro que aquece toda a cozinha, o gosto do café da manhã que te leva de volta à infância… A mesa cheia de gente, muitos bom dias, sorrisos, o cafuné que seu pai faz na sua cabeça enquanto sua mãe arruma cuidadosamente a sua merendeira.

Lá fora o sol começa a dar os primeiros sinais de que já é hora de ganhar o mundo. Antes ainda dá tempo de você alimentar o seu cachorro, dar uma volta com ele no quarteirão e, antes de sair, retornar ao quarto para um beijinho de leve na testa de quem você aprendeu amar.

O dia corre normalmente indo das loucuras de uma redação agitada com os últimos acontecimentos ao silêncio de consternação. É aquela a vida que escolheu e não se arrepende por um minuto sequer. O sossego e calmaria que podem acabar num estalar de dedos… As notícias não esperam e não têm hora para acontecer.

Você pega o seu material de trabalho, um celular, o gravador, o bloco de anotações e a caneta que ganhou do avô no dia da sua formatura e parte rumo ao desconhecido. Está nas suas mãos não deixar nada passar. Os mínimos detalhes interessam e podem significar a conexão afetiva de quem irá saber de tudo por meio do que você irá registrar.

O que não espera é que os fatos sejam maiores do que pode supor e que, num estalar de dedos, você entre na notícia. É um avião que cai, é uma bomba que explode, um tiro que sai na direção errada. O piso em falso. E vem o disparo, o choque, o baque que te separam do bloquinho, da caneta, da notícia. O celular que não está mais com você e o grito que sai, mas que ninguém parece escutar. Há outros tantos para serem amparados…

Enquanto está ali caído no chão, imagens se formam em sua mente como numa grande colagem. O calor de sua casa que aquece a alma; os pequenos toques de pele – apertos de mão, abraços, cafunés, beijos – que te levam para outra dimensão; o seu pequeno cachorro, que parece tão frágil enquanto adormece tranquilamente em seu peito e que faz a sua respiração desacelerar.

Você nota que pé sob pé caminha para uma outra vida. É um trajeto sem volta. A última coisa que sente como nunca havia sentido, é como uma lágrima pode descer quente e lentamente pelo seu rosto. Naquela tarde a história a ser contada é outra e a notícia é você. Não que muita gente vá ligar, mas poxa… Bem que sua vida podia ter durado um pouco mais.

 

Envie seu comentário