Je suis la femme

Quem é a moça de corpo avantajado que cruza pela calçada de pedra portuguesa esburacada do centro da cidade atraindo para si olhares que até tentam, mas não são capazes de fazê-la perder o rebolado?

Finge que não escuta. É gostosa, depravada, endemoniada, ui, perdição, sinal do fim dos tempos, para-raio de olhares que seguem fascinados o tal gingado, cabeças que viram sem disfarçar a evidente atração. Cachorro, não acredito, por aquilo?

Vai a luta para que a reconheçam como é: feminina sim, bicha, tá louca? Não faz a uó, recalcada e homofóbica. E, a sua maneira, rompe como pode a sina da pista esmagada por corpos de toda sorte. Não recrimina o serviço, mas haja estômago! Fantasia um príncipe encantado, tipo galã, alguém para quem não seja só o fetiche em madrugadas anônimas.

Gosta do dia, do sol, do povo, da muvuca. É manicure. De segunda a segunda. E o único luxo que possui é o de investir o que sobra em cosméticos e em promoções de redes de fast fashion. Luxo é poder, verbo, com tudo e, principalmente, APESAR DE TUDO.

Paga aluguel, condomínio, energia, internet e prestações fixas de uma cama, do sofá, geladeira, fogão e televisão, mas a parcela mais alta fica na conta da opinião dos outros, nos preconceitos, o que é velado, aberto, implícito, violento.

A vida não é fácil, mas andando, desfilando, desafiando todo santo dia na mesma calçada do centro da cidade, entende que está no caminho certo. Atrai com a beleza que confere nas vitrines espelhadas; incomoda porque existe e resiste em sua essência; e conquista quem dá a chance de enxergar quem ela realmente é. Quando diz Je suis la femme, o-ooo, com uma rouquidão desafinada, acredita de verdade no que escuta. E é o que basta para ser feliz.

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