Você não precisa ler este texto, mas se leu…

Não, você não precisa ler este texto. Passe para o próximo ou ainda melhor: desligue a tela do seu celular, do seu computador, e concentre no que está acontecendo aí ao seu lado. Eu não precisava também escrever isto aqui, mas sabe como é: o exercício da função exige prática, colocar palavra ante palavra e torcer para que, combinadas, façam algum sentido e não só para mim, mas também a quem insiste em continuar acompanhando um raciocínio solto, torto, mas que, com fé, vai dar em alguma coisa.

Escrever é mais gostoso quando as coisas não vão bem. É mais fácil escutar o coração, dar voz a emoção e traduzi-las como desabafo, um pedido de socorro ou um grito de misericórdia, quando as notícias são e estão desastrosas. Não é exagero. É como um soco no estômago, depois outro, um direto e uma rasteira até que o rosto beije a lona. A fuga que é exílio, a queda de ministro, de ministros, menina veste rosa, Notre-Dame, desabamento em Muzemba, alagamento em São Paulo, temporal no Rio, segurança metralhado com família por soldados do exército, Boechat, Beth Carvalho, Brumadinho, incêndio no Flamengo, reformas, o mata-leão do segurança dentro de supermercado, feminicídios, caso Neymar, tiroteio em Suzano, ciclone em Moçambique, prisão de Temer, desabamento de escola na Nigéria, Gabriel Diniz, floresta em chamas, mancha de óleo em alto mar, na costa, desabamento em Fortaleza, vazamento de áudios, 01, 02, 03, Bolsonaro, política (e aqui um pacotão recheado ao gosto do freguês).

Mas mesmo diante de tudo isso, eu parei. Parei de ver, ler e escrever. Postei menos e me vi melhor; quase recuperado e pronto pra outra. Entendi que as notícias são parte, mas não respondem mesmo pelo todo. Tem o bebê de uma amiga que nasceu, o casamento que eu fui, as fotos e histórias das férias de outro amigo, teve uma que foi promovida e o outro que mudou de emprego… Teve a Copa América, os Jogos Pan-americanos, a Copa Feminina, Fernanda Montenegro. Vocês assistiram Bacurau? Estão acompanhando De Férias com o Ex, Masterchef, The Voice, a novela? São tantos papos para jogarmos fora sem a pretensão de mudarmos o mundo…

Entendi que antes dessa política que nos consome tanto – para ficar num só dos vampiros de nossa atenção, energia e fé – tem aquela outra da boa vizinhança. Não a implantada pelo governo estadunidense, mas sim esta que apropriamos e resignificamos para descrever o respeito ao espaço do outro, a cordialidade sem segundas intenções e a vontade de manter um clima de paz. Percebe que quando você se mantém presente na vida de alguém que gosta (ainda que em discordância de absolutamente tudo sobre um determinado assunto) não deixa espaço para que outro entre e ocupe o seu lugar esvaziando qualquer chance de mostrar que existem muitos lados, infinitas formas de ver o mundo, e que tá tudo bem voltar a focar no casamento, no bebê, no gatinho/cachorrinho, nas notícias do trabalho, no roteiro da próxima viagem.

E eu me vi melhor. Escrevendo menos porque as coisas vão bem do lado de cá. E não é que estou alienado aos fatos, mas resolvi que antes de mudar o mundo, começo mudando a mim mesmo. É sobre como eu me relaciono com cada um de vocês todos os dias. Um comportamento que segue como este texto (e agradeço por chegar até aqui): solto, torto, mas que, com fé, vai dar em alguma coisa.

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