Capítulo Final – Toda Luz Que Podemos Ver

Capítulo Anterior: 4 – Comer, transar e amar

Enfim sexta-feira, dia sagrado para os dois amantes que vigiamos por aqui. Cada movimento do corpo dela, toda reação esperada do membro dele, despertam a nossa curiosidade, alimentam nossas vontades, aguçam a libido de quem conhece tão bem a sensação do desejo correspondido.

Olhar para aqueles dois e deixar que a imaginação lapide o resto, que nossas lembranças desenhem o contorno daquela escultura sustentada pelo prazer. Hoje é o último dia em que ela o verá, mas não será uma despedida. Jamais poderíamos, depois de tudo, acompanhar o desencaixe de duas metades perfeitas.

É que primeiro aparece uma mancha branca e pouco a pouco as coisas vão ficando sem nitidez, depois sem foco, agora sem a noção de proporções e distâncias. A mancha cresce e, agora, leitosa, derrama lágrimas que não podem ser amparadas, tratadas, curadas. A cegueira é vista de perto por ele, sofrida por ela, mal compreendida em suas limitações e adaptações pelo casal.

Ela não quer que ele passe por isso, que se compadeça de sua sina, que tenha que mudar sua rotina. Ela insiste que ele a deixe, que suma dali, que desapareça para sempre. Pedidos vomitados da boca pra fora, porque por mais que ela jamais torne a ver a luz do sol, ele estará para sempre preso em sua memória, inesquecível nos mínimos detalhes.

Ele diz para ela parar, que não arredará o pé dali, que o lugar dele é ao lado dela e que espera que ela continue enxergando-o com o que realmente importa: o coração. Ela tenta fugir dos braços dele, mas não consegue. Os corpos se esfregam em uma luta sem ritmo, violenta, a raiva de quem quer, mas não pode. Ele não vê dessa forma e insiste. Ela tenta escapar novamente, mas tanto atrito gera aquela velha faísca do desejo incontrolável que não demora a dominá-los.

– Eu não posso…
– Você pode e você quer… Já disse que não ligo, apenas te quero!
– Mas olha pra mim… Olha o meu estado…
– Não preciso que me diga o que ver, apenas não interrompa o que sentimos. As luzes estão apagadas. Somos só nós dois agora, no escuro. Apenas sinta… Vamos juntos ver o que acontece!

A língua que primeiro invade a boca dela e logo desce para o pescoço, a respiração calma e decidida dele, o toque firme de quem sabe o que quer,  a voz dele que a domina e deixa pronta para ser penetrada. Ela experimenta sentir tudo como nunca antes, sentidos aguçados e encarregados de levá-la ao êxtase: a mão boba, o sexo verbal, o cheiro de amorComer, transar e amar.

Assim funciona aqueles dois com toda a luz que não podemos ver, descrever, contar ou explicar. Tem coisas que fogem do nosso campo de visão. Que tal deixarmos que eles fiquem um pouco a sós?

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