Plot Twist com William Waack e Kevin Spacey

Este é um retrato dos tempos atuais: um personagem sai da ficção revelando muito do caráter de quem o interpreta. O responsável por divulgar essa notícia, num dos principais telejornais do país, logo se vê assim, do dia para a noite e momentos antes de entrar no ar, destituído de qualquer credibilidade ao ser atingido em cheio por um vídeo que registra a frase mais infeliz que talvez já tenha dito em frente às câmeras. Plot twist, reviravolta no enredo.

O âncora passa dessa forma da posição de transmissor da mensagem à própria notícia. É o registro de um discurso equivocadíssimo, de atitudes vergonhosas que aconteceram lá atrás, mas que ressurgem com o ineditismo sedutor dentro deste tempo fluído e sem vínculos, mas inquisidor; sem consentimento ou controle da própria intimidade levando ao domínio público o que julgava privado… Perde-se o status, toda a proteção e caçadores se veem com a cabeça à prêmio.

Ele, o titular de um posto de prestígio, não apresenta o jornal e cabe a uma interina, talvez companheira de cafezinho na redação, dar a notícia do afastamento ressaltando a posição da emissora de repudiar “visceralmente o racismo em todas as suas formas e manifestações”. Lê com a seriedade, a sisudez e o distanciamento que pede um editorial do tipo, características pelas quais, nota-se, era reconhecido o colega agora investigado, “um dos mais respeitados profissionais brasileiros, com um extenso currículo de serviços ao jornalismo”. Quem liga?

Kevin Spacey e William Waack, duas figuras públicas denunciadas em suas mazelas. Vidas julgadas sob a luz das principais conquistas dos tempos atuais: a incrível velocidade em que se pulverizam os fatos, a cobrança por uma retidão de comportamento e o bote traiçoeiro e malicioso de quem espera a hora oportuna de se vingar. Leva 1, 30 anos, mas a verdade vem à tona em um strike. Apaga-se um filme inteiro, uma carreira até então consolidada sem grandes deslizes.

Sem relativizar abusos, assédios, piadas de cunho racial, mas há de se considerar que existe um prazer vingativo na queda, na desconstrução e na destruição, como se coubesse a nós, guerrilheiros da internet, sentenciar o fim de vidas, carreiras, histórias. Uma busca incansável por um mundo perfeito ou pela vítima da vez? Novos tempos ou velhos comportamentos? Somos os algozes ou os prisioneiros dessa rede cruel, a mesma que se revela em essência dentro de comentários violentos, preconceituosos e repletos de rancor, mas que bota banca de ética e moralmente irrepreensível. Outro plot twist, reviravolta no enredo.

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