Quem ama o feio

Quem ama o feio, bonito lhe parece. Já quem não ama o feio… Tenta como pode torná-lo melhor, dentro de um conceito extremamente particular e, por que não dizer, limitado. Vejamos os grafites, que são feios para João Doria, o prefeito que insiste num cinza sem vida – e mal pintado diga-se de passagem – em demãos de tinta para esconder o que antes era expressão, cores vibrantes e, para alguns, arte.

Doria talvez não amasse a São Paulo em que vivia, e por isso resolveu voltar a tê-la em escalas frias e pouco conectadas à periferia, que é onde os grafites nascem, crescem e ganham o mundo. É lá que surgiram os hoje aclamados OsGêmeos, o Kobra, e é lá que também se desenvolvem as novas vozes de uma realidade distante dos Jardins paulistanos.

Qual o valor da arte de rua senão conectar os grandes centros aos locais menos favorecidos? O de dar voz a quem tem pouco, ou quase nenhum, acesso a aulas, feiras e galerias de arte?  Ainda que pouco conhecidos, como tirar o mérito de quem, apesar de tudo, consegue se expressar e criar um traçado com identidade própria? Faltam muros para uma juventude acostumada a não ter educação, diversão e arte. Sobram espontaneidade e vontade de fazer acontecer, driblando uma realidade que não dá para ser apagada com tinta fresca.

A cidade também é deles, senhor prefeito, e negar isso, ou querer confiná-los em uma vizinhança afastada (em algum canto da Zona Leste) é dizer que aceita, desde que longe do trajeto que faz. Qual o problema de uma parede colorida, que implicância é essa com o que é popular, se vivemos em uma cidade que é em sua maioria periférica? Que vontade é essa de fazer de nós um “bairro de Miami”, se podemos ser apenas uma São Paulo melhor?

Talvez Doria não ame a cidade como diz amar. Provavelmente não veja a beleza da construção coletiva, da soma que gera diversidade e pluralidade. Que ele entendesse que o amor começa no diálogo, na troca e respeito pelo outro… Que visse que dá sim para ter uma “cidade linda” não em maquiagem monocromática, mas na sustentação daquilo que foi construído por diferentes tipos de mãos ao longo dos últimos 463 anos.

São Paulo exige diálogo, respeito e cooperação.  Embate, sem debate, só provoca animosidade e ruptura daquilo que poderia ser apenas conquista e adesão. É confrontamento, a contravenção e a provocação de quem não quer silenciar. Ação e reação na medida do que vem sendo feito. Tudo fica cinza, para ganhar no dia seguinte rabiscos de protesto. Na minha cabeça fica a confusão de se é esse mesmo o conceito de uma cidade “linda”, cinza e muda.

 


Atualização 24/01 -11h00

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