Paranoia

Percorrendo os labirintos criados por uma mente fantasiosa, paranoica, deu voltas em suas dúvidas sem conseguir estruturar certezas. Perdeu um tempo precioso, abstratamente, sem pedir ajuda, sem dividir com ninguém as suas angústias. Queria relaxar, mas os dedos estavam sempre tensos dentro dos sapatos surrados por pedras que estavam no caminho.

Chutava uma ou outra, um ou outro, mas nem assim afastava os problemas. Não conseguia se distanciar das ameaças que criava para si mesmo, e não podia desviar dos golpes que o atingiam sistematicamente em cheio. Eram socos na moral, chutes na ética. Valores no chão e um comportamento que implorava pelo mínimo de compaixão.

Estava em guerra. Era caçado. Atirava no escuro com a esperança de afastar fantasmas, que já lhe eram íntimos. Via sua cabeça a prêmio suspirando medo, sangrando em ódio revanchista. Tudo ou nada, agora ou nunca. Viver ou morrer.

Cúmplice de um crime perfeito, compartilhava dos mesmos defeitos de quem ousou fazer da alma a sua refém; que transformou os próprios sentimentos em cárceres perpétuos; que matou sonhos. Só cabia lamentar. Mas restava saber com quem. E agora, José? Vamos de Drummond? Repita então bem alto:

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

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